1 de setembro de 2010

A Viagem do Senhor Down pelo Mundo da Hipoterapia por Áurea Canas

Consideramos importante realizar um estudo onde fosse possível avaliar os benefícios da Hipoterapia no desenvolvimento Infantil de crianças com Síndrome de Down. Para estudarmos o desenvolvimento infantil, decidimos aplicar um instrumento que nos permite avaliar áreas distintas do desenvolvimento, nomeadamente a área locomotora, o desenvolvimento pessoal/social, a área auditiva e linguagem, a coordenação olho/mão e a área relacionada com o raciocínio prático. Após duas aplicações com um período distinto de quatro meses, através desta investigação verificam-se benefícios no desenvolvimento destas crianças devido à prática de Hipoterapia. Leia o artigo em "Mais Informações" .

Introdução

O termo desenvolvimento segundo Vayer e Roncin (1988), “(…) tem um significado geral de crescimento, de progresso, de desabrochamento. Aplicado à evolução da criança, significa que quando a observamos no tempo constatamos um crescimento das estruturas somáticas, um aumento das possibilidades pessoais de agir sobre o ambiente e por conseguinte, progressos nas capacidades de compreender e se fazer compreender.” (p.15).
Para Golebski, Oliveira e Tralli (1990), “(…) o Síndroma de Down é essencialmente um atraso do desenvolvimento. Tanto do corpo como das funções mentais.” (p.17). O desenvolvimento destas crianças percorre as linhas do desenvolvimento “normal”. Apesar das suas particularidades acabam por atingir todas as etapas, sendo capazes de “(…) aprender: sorrir, andar, balbuciar, correr e falar, apenas com um pouco de atraso.“ (p.17). Pimentel (1997), refere a existência de défices a vários níveis do desenvolvimento destas crianças: na cognição, afecto, contacto visual, atenção, competências linguísticas, sendo o maior atraso manifesto ao nível da comunicação. Estas não dispõem de um mecanismo de estruturas mentais para a adequada assimilação do mundo perceptivo daí, que qualquer aprendizagem perceptiva deve realizar-se através do maior número de vias sensitivas.
Segundo Isoni (2002), estas crianças “(…) necessitam de estímulos ambientais mais fortes, para activar e actualizar os seus potenciais em desenvolvimento.” (p. 86), desta forma "(…) a Hipoterapia é um método de intervenção terapêutica global e analítico, extremamente rico, que engloba o indivíduo no seu complexo psicossomático.”(Lubersac e Lallery, 1773, p. 3), pois “(…) exige a participação do corpo inteiro contribuindo para o desenvolvimento muscular, o relaxamento, a consciencialização do próprio corpo e o aperfeiçoamento da coordenação e do equilíbrio"( Miranda, 2000, p. 86).
Para Santiago e Santos (1997), na Hipoterapia o movimento cadenciado do cavalo educa a mente e predispõe a criança com necessidades especiais a novas atitudes, maior atenção, melhor equilíbrio e coordenação. “Através da experiência viva e vivida com o cavalo a pessoa pode criar para si vários motivos para começar, continuar, modificar, aumentar ou permanecer na sua trajectória única e intransferível da arte de viver. " ( Opa , 2000, cit. por Cudo, 2002, p. 92).

Metodologia

Amostra

A amostra é constituída por 12 crianças com Síndroma de Down, tendo idades compreendidas entre os 5 e os 8 anos de idade. Das 12 crianças 6 beneficiaram de Hipoterapia (Grupo Experimental), e outras 6 não foram submetidas à pratica de Hipoterapia (Grupo de Controle).

Procedimento

Ao adoptarmos o método experimental, no qual utilizamos a variável independente (Hipoterapia), de forma a verificar o impacto que teve sobre a variável dependente (o desenvolvimento infantil de crianças com Síndroma de Down submetidas à Hipoterapia, e crianças com Síndroma de Down não submetidas à Hipoterapia), definimos dois grupos nos quais os participantes com características idênticas foram distribuídos de forma aleatória.
Ambos os grupos foram submetidos a dois momentos de avaliação durante o período de estudo sendo este de 4 meses. No Grupo Experimental a avaliação decorreu antes da prática de Hipoterapia e após 4 meses da prática da mesma. No grupo de controlo também existiram dois momentos de avaliação, para que pudéssemos obter fiabilidade nos resultados.

 
Instrumento de Avaliação: Escala de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths

A Escala de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths enquadra-se no grupo dos testes de desenvolvimento e representa a base de qualquer diagnóstico infantil auxiliando a situar o desenvolvimento da criança. Sendo a nossa amostra constituída por crianças entre os 5 e os 8 anos de idade, foi aplicada a Escala de Desenvolvimento da Griffiths destinada a crianças dos 2 aos 8 anos que inclui 6 sub-escalas de avaliação: Sub-escala A, Locomotora ; Sub-escala B, Pessoal/social ; Sub-escala C, Audição e Linguagem; A sub-escala D, Coordenação óculo-motora, Sub-escala E, Realização; Sub-escala F, Raciocínio prático.

Resultados

Dada a amostra ser de reduzida dimensão optou-se pelo uso de estatística não paramétrica, tendo sido utilizado o Teste de Wilcoxon (comparação de duas amostras dependentes), e o Teste de Mann-Whitney (comparação de duas amostras independentes

Análise Intra-Grupal : Comparação entre as duas Aplicações da Escala de Desenvolvimento Mental (Médias)


Observando os resultados do teste não paramétrico de Wilcoxon, no Grupo Experimental, podemos constatar que a subida é significativa, para p <0,05, da primeira para a segunda aplicação nos seguintes domínios da Escala de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths: Pessoal-Social (p = 0,046), Audição e Linguagem ( p = 0,028) e Realização (p = 0,028).
O Grupo de Controle não revelou qualquer diferença estatisticamente significativa entre a primeira e a segunda aplicação dos domínios da Escala.


Análise Inter Grupal : Comparação dos Resultados da Escala de Desenvolvimento Mental do Grupo Experimental e Grupo de Controle ( Médias)



O teste de Mann-Whitney revelou a inexistência de diferenças significativas para p <0,05, entre os dois grupos nos domínios da Escala de Desenvolvimento na primeira aplicação.
Verificamos que o Grupo Experimental revela na segunda aplicação resultados mais elevados nomeadamente nas áreas Pessoal-Social ( U = 6,00, p = 0,045), Audição e Linguagem (U = 5,00, p = 0,037) e Realização ( U = 2,00, p = 0,010), comparativamente com o Grupo de Controle.
Desta forma constatamos que as crianças que praticam Hipoterapia revelam um melhor desenvolvimento infantil em relação às crianças que não praticam esta terapia nas áreas mencionadas.

Conclusões

O presente estudo teve como objectivo geral colocar em evidência a influência da Hipoterapia no desenvolvimento de crianças com Síndroma de Down. Os resultados apresentados mostraram que na segunda aplicação da Escala os sujeitos do Grupo Experimental apresentaram um desenvolvimento mais significativo que os sujeitos do Grupo de Controle. Parece-nos pois lícito atribuir a esta terapia as diferenças presentes após quatro meses de prática da mesma, pelos sujeitos do Grupo Experimental.
A presente investigação, devido ao número reduzido de elementos da amostra, não permitiu retirar conclusões muito abrangentes e suficientemente significativas para o estudo deste tema no Síndroma de Down. Também a falta de estudos práticos realizados nesta área e com esta população não permitiu o confronto entre resultados de modo a que o estudo possa contribuir para o aperfeiçoamento do conhecimento relativamente à prática de Hipoterapia com estas crianças.
Contudo permitiu colmatar a lacuna neste tipo de estudos, na medida em que alerta para a importância dos benefícios desta terapia. O Psicólogo pode recorrer à Hipoterapia pois apresenta resultados para estas crianças, sendo útil que a criança também tenha acompanhamento noutras áreas para que conjuntamente com a Hipoterapia obtenha maiores ganhos ao nível do seu desenvolvimento.


Referências

§ Cudo, C. (Comp.) (2002). A importância da motivação para a vida e como meio facilitador para resgatar a auto-estima. II Congresso Brasileiro de Equoterapia. São Paulo: ANDE.
§ Fonseca, V. (1989). Psiquiatria e psicopatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
§ Golebski, A.; Oliveira, E. & Tralli, A. (1990). Você não está sozinho: temos um filho especial. São Paulo: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
§ Griffiths, R. (s.d.). The psychodiagnostic approach to problems of the very yong foundations of child psyiatry.
§ Isoni, T. (Comp.) (2002). Centro básico de equoterapia General Carracho. II Congresso Brasileiro de Equoterapia. São Paulo: ANDE
§ Lubersac, R. & Lallery, M. (1973). La réeducation par l’équitacion. Paris: Crépin-Leblond.
§ Miranda, A. (2000). Hipoterapia. Revista de educação especial e reabilitação, 7 (2), 113-120.
§ Santiago, L. & Santos, A. (1997). The effects of therapeutic riding posture in individuals with disabilities. Ocupational Therapy in Health Care, 14 (1), 1-12.
§ Vayer, P. & Roncin, C. (1988). Psicologia actual e desenvolvimento da criança. Lisboa: Instituto Piaget.

Autora -  Áurea Alexandra Canas Coelho Psicóloga Clínica (Portugal)
Email - aureacanas@hotmail.com