20 de abril de 2010

O Modelo Alemão de Equoterapia

Originário da década de 1970 foi aprovado no IV Congresso Internacional de Equitação Terapêutica, em 1982, em Hamburgo (FRDI, 2006), passando a ser, desde aí, referenciado largamente tanto na Europa como no continente americano. O modelo vem sublinhar a vertente técnico-científica e contemplar três áreas distintas (saúde, educação e desporto) onde se inscreveram as três disciplinas – que muitas vezes se intersectam – que agora passamos a descrever:
a) a Hipoterapia clássica – reflete o modelo alemão de Hipoterapia praticado vastamente em toda a Europa desde 1960/70 e refere-se principalmente a uma forma passiva de Equitação Terapêutica: o paciente montado acomoda- se aos balanceamentos provenientes do movimento tridimensional do dorso do cavalo (Kuprian, 1989). O terapeuta promove apenas o diálogo interativo cavalo-paciente (sem que este precise controlar o cavalo).
Centrada na recuperação de competências que permitam a reintegração do paciente a dois níveis – trabalho e vida social – está direcionada para o domínio da medicina física e de reabilitação. Enquanto atividade individual, não encara como objetivo principal o ensino da equitação. Pretende habilitar ou re-habilitar o paciente de modo a que este possa voltar a uma vida produtiva e confortável.
Assim, intervém ao nível do alívio da dor e da funcionalidade motora, e pretende melhorar ou manter aspectos como a força muscular, a mobilidade, a capacidade respiratória, a circulação, a coordenação muscular, relaxar músculos tensos, corrigir posturas defeituosas, etc. Sendo assim, deve ser entendida como um procedimento médico, desenvolvido por uma equipe interdisciplinar de técnicos de saúde, dirigida por um fisiatra que delineia e supervisiona cada intervenção, utilizando essencialmente o passo do cavalo como instrumento cinesioterapêutico (Kuprian, 1989).
Desta equipe devem ainda constar, entre outros: o fisioterapeuta, que executa o programa de reabilitação (pondo em prática um conjunto de técnicas adequadas); um psicólogo, enquanto “contentor” do sofrimento do paciente e da família, e elemento de ligação entre os intervenientes internos e externos a equipe (Pires & Silva, 1999); terapeutas, respiratório e da fala; terapeutas ocupacionais; assistentes sociais e a comunidade desempenham um papel vital na reintegração social do paciente. Um monitor/ instrutor de equitação e um cavalo treinado para o efeito são elementos de capital importância para o sucesso da intervenção.
b) a Equitação Psico-Educacional (EPE) – de acordo com Kröger (1989; D.K.Th. R. 2004), pai desta disciplina, a EPE surge inicialmente para dar resposta à problemática social de crianças com perturbações ao nível do comportamento.
Kröger (1989) aconselha sua prática com base na proposta psicoterapêutica não-diretiva de filiação existencial, de Carl Rogers. Esta posição pauta-se por um claro investimento na importância da qualidade da relação estabelecida e uma recusa em imprimir no cliente uma direção qualquer, confiando na sua capacidade de auto-direção.
Como tal, Kröger (1989) refere que, durante a sessão, o terapeuta raramente deve corrigir o mau comportamento da criança já que o cavalo facilitará imediatamente, através das suas reações, o insight necessário para que tal aconteça. A EPE preocupa-se em alcançar objetivos específicos, baseados nas necessidades precisas de cada indivíduo, sejam elas de ordem psicológica e/ou educacional, e usufrui da experiência pessoal que o cliente adquire a passo, a trote e a galope (Leitão, 2004).
Crianças, adolescentes e adultos são vistos numa perspectiva holística (do ponto de vista físico, psíquico e social), podendo encontrar benefícios diversos nesta atividade de grupo (com um número máximo variável até seis elementos consoante a experiência do terapeuta e/ou o grau de severidade da patologia) ou individual (Kröger, 2000).
Os instrutores de equitação trabalham numa relação estreita com pedagogos, técnicos de educação especial, psicólogos, psicoterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e outros técnicos, para definir e redefinir estratégias (programas adequados). Os exercícios da equitação desportiva normal são transformados e adaptados tendo em conta às necessidades de cada um, promovendo o desenvolvimento, o bem-estar, a auto-estima, a construção de um sentimento de confiança, comportamentos desejados, a atenção, a concentração, a tolerância para com a frustração, a mobilização de recursos, a iniciativa, o autocontrole, a construção de amizades, o respeito pelo outro, etc.
Para Leitão (2004), e numa abordagem dinâmica da psicologia infantil, a EPE é, por excelência, uma terapia pela relação que valoriza a desorganização do paciente (reconhecendo os seus aspectos positivos), aproveita e reforça as suas competências, os seus talentos, tendo como aliado o cavalo, no diálogo com as figuras parentais. É uma relação de permanente confiança e empatia; de uma compreensão incondicional (Racker, 1960 cit. in Leitão, 2003a, 2003b). É uma relação vivida e construída principalmente com a criança, mas também com os seus pais e com o cavalo (enquanto catalisador e harmonizador de uma relação terapêutica da qual faz parte).
Constata-se, desta forma, o surgimento de um cenário relacional-emocional complexo, centrado principalmente em duas “novas relações” (terapeuta –criança- cavalo) que se constituem como parte integrante de um núcleo interventivo transformador (da criança e da sua relação com a sua família) no qual a criança acaba, em parte, também por se incluir. Deste modo, também ela intervém no seu próprio processo de mudança.
Ao adquirir e mobilizar recursos internos que lhe permitam fazer face às novas experiências, ao mudar, introduz elementos novos na sua relação com os pais, contribuindo ativamente para a mudança dessa relação primordial, potencializando-a e promovendo, ainda que indiretamente, o seu próprio desenvolvimento e amadurecimento, nas suas diferentes vertentes: sócio-afetiva, cognitiva, comportamental, moral, etc. (Leitão, 2004).
Também outros autores se aproximam desta abordagem. Para Schulz (1997), Kröger (2000), Engel (2000) e também para o D.K.Th. R. (2004), o conceito de Remedial Education (do alemão, Heilpaedagogik) deve traduzir uma intervenção eminentemente psicoterapêutica e também reabilitativa, centrada nas perturbações mentais, emocionais ou comportamentais, resultantes ou não, de deficiência física.
Por outro lado, Tyler (1994), por exemplo, encara esta modalidade terapêutica de uma forma menos abrangente, isto é, apenas como um complemento criativo que serve de catalisador para as psicoterapias de setting.
Independentemente da controvérsia, o psicoterapeuta, no setting da EPE, deverá aproveitar os procedimentos e as técnicas adequadas, em conformidade com a sua orientação teórica e prática, que pode ser diversa, designadamente: psicanalítica (Ribeiro, 2003; Calba, 2000; Jacqueline, 2000; Scheidhacker & Fischer, 1997); existencial (Weith, 2003); bioenergética (Melhem, 2000; Monnié, 2000; Shpitsberg, 2000; Melhem, 1998); de grupo, de orientação psicanalítica (Scheidhacker, 2000); familiar (Strausfeld, 1998); Gestalt, de base existencial (Wecker-Gutmann, 1998); eclética (Barrey, 2000); etc.
c) a Equitação Desportivo-Recreativa Adaptada – embora o valor do desporto e do exercício físico tivessem sido sempre reconhecidos desde a Antiguidade Clássica, só no século XX é que a medicina do desporto assumiu as preocupações científicas devidas a esta modalidade (Heipertz, 1989).
Os seus efeitos sanígenos fazem do desporto também uma ferramenta essencial na reabilitação de adultos, e no desenvolvimento e na educação de crianças e jovens portadores de diferentes deficiências físicas e/ou psíquicas. Assim, beneficia estas pessoas, encorajando-as a tornarem-se ativas, a melhorarem as suas capacidades psicofísicas e a integrarem-se socialmente.
Nesta modalidade, que requer uma maior autonomia por parte do cavaleiro do que nas duas anteriores, o foco da intervenção não é a deficiência (Heipertz, 1989). Trabalha-se para desenvolver competências eqüestres, em populações com dificuldades especiais, no passo, no trote e no galope. Os objetivos são vários: a obtenção do simples prazer de montar a cavalo, o melhoramento ou a manutenção da forma física, o aumento da auto-estima, a competição (Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes –FPDD, 2006). É uma atividade de grupo, equipe ou individual.