16 de dezembro de 2009

A Organização da Equitação em Reflexos Condicionados

Em sua vida natural, o cavalo usa o cérebro para acionar a sua cadeia de reflexos, mas não para sustentar a ação dos andamentos, depois que começa a se movimentar. Na vida equitada do cavalo é o cavaleiro quem aciona a cadeia de reflexos do animal e determina a direção que o conjunto deve tomar, a velocidade e as ações que irão executar. Entender como funciona esse sistema é um grande passo para se aprender a usá-lo e ganhar uma equitação de alta performance.
Quando o cavalo é bem adestrado, o cavaleiro assume o comando das decisões para as mudanças de velocidade e direção com muita facilidade. Ou melhor: a decisão do cavaleiro substitui a decisão do cavalo para acionar o seu sistema reflexo que dará início à cadeia de movimentos. O corpo e as pernas do animal começam a se movimentar automaticamente, mais ou menos como um avião voando ‘no piloto automático’. A questão que deve ser lembrada neste momento é que o cérebro do cavaleiro, aciona a seqüência de movimentos do cavalo e estes são mantidos automaticamente em funcionamento pelas células do sistema nervoso situadas nas dilatações cervical e lombar do animal. Mas o cavalo é perfeitamente capaz de, durante a equitação, tentar tomar decisões por conta própria. Por exemplo, querer disparar de volta para as baias se não estiver gostando do passeio, aproximar-se de outro animal, ou simplesmente empacar diante de alguma coisa que o amedronta. Neste instante, haverá uma disputa entre o cavalo e o cavaleiro pelas tomadas de decisões. Neste momento, também, o cavaleiro inexperiente geralmente tenta retomar o comando à força usando esporas e chicote, que despertam o cérebro e a consciência do animal, e em conseqüência disso a sua rebeldia – e a confusão estará armada, como já vimos centenas de vezes por aí. Numa situação semelhante, o cavaleiro experiente, ao contrário, retomará sutilmente o comando da situação sem se fazer muito notado pelo cavalo – no máximo o animal perceberá a sua presença quando ele transmite, com atitudes e gestos tranqüilos a necessidade de avançar — o bom cavaleiro tem todos os atributos naturais de um líder. O conhecimento da cadeia de reflexos da equitação é de grande importância para o cavaleiro moderno que pode, finalmente, contar com um paradigma científico para a orientação de como organizar os seus comandos de maneira mais técnica e eficiente. O adestramento e o treinamento modernos são simplesmentea organização de toda a ação eqüestre em reflexos que foram condicionados e automatizados pelo adestrador durante muitas horas de treino. Esta organização dos reflexos da equitação do cavalo começa com o adestramento primário, também conhecido como doma de chão, onde o animal aprende a andar, trotar ou marchar, galopar, e mudar de direção, com os comandos emitidos pelo adestrador. A ‘doma’ moderna (1) deve ser entendida como um vôo simulado na aviação onde o cavalo aprende todas as manobras, sem os perigo da ação real. O potro, durante o adestramento primário, vai aprender as ações da equitação (2) administradas de forma compreensiva e progressiva, até receber o cavaleiro no dorso, quando então começa o adestramento básico, também conhecido como doma de cima, que é uma continuação dos mesmos comandos ensinados durante o adestramento primário, agora acionados pelo adestrador montado no dorso do cavalo. Etapa por etapa, o animal, com sua memória biológica infinita, aprende a se movimentar com a destreza e o seu equilíbrio natural, em todos os momentos da equitação. O ‘dressage’, ou adestramento clássico, é a modalidade eqüestre que mais depende da organização dos reflexos naturais do cavalo em seqüências de reflexos automatizados. Todos os andamentos, as transições, as piruetas e os apoios laterais dependem de um longo treinamento do cavalo e do cavaleiro para atingirem a fluência e perfeição destes movimentos cooperados. No hipismo, a aproximação dos obstáculos e a organização corporal do cavalo e do cavaleiro para realizarem o salto com movimentos casados, também requerem uma seqüência de reflexos ensaiados e automatizados para garantir o rendimento máximo da ação. Poderíamos até dizer que, o salto ideal deveria ser ensaiado com a precisão de uma figura de ‘dressage’. Na equitação rural, as provas de baliza e três tambores também são figuras automatizadas. Mas na apartação, por exemplo, a maioria dos comandos não parte do cérebro do cavaleiro. Os comandos reflexos partem do sistema nervoso do boi e são imitados pelo cavalo, em centésimos de segundo. É um duelo pessoal entre o cavalo e o boi, onde a função do cavaleiro é mostrar qual o bovino da manada que precisa ser separado, e a partir daí procurar não atrapalhar o trabalho do animal. Organizar a ação eqüestre em reflexos automatizados, sem provocar dor no cavalo, (porque isto despertará a consciência e a rebeldia do animal), é o grande segredo da equitação de alta performance, que está formando os grandes conjuntos e campeões da atualidade. Com esta nova percepção da realidade eqüina deverão também cessar as velhas rivalidades entre os sistemas de adestramento das escolas de equitação romana, germânica e de trabalho (rural ou western), que se digladiam há séculos sobre as melhores técnicas de se adestrar cavalos. Agora sabe-se que o bom sistema é aquele que se utiliza dos movimentos eqüestres na seqüência biológica em que o próprio cavalo se movimenta. Agora, também, podemos compreender porque os grandes mestres da equitação acadêmica, os homens que fizeram a história da equitação ocidental – Xenofonte, Pluvinel, Newcastle, Nestier, Eisenberg, La Guérinière, Baucher, L’Hotte, Fillis, e tantos outros, recomendavam o adestramento e o treinamento paciente, sem provocar dor no cavalo, com aulas curtas e freqüentes para não estressar o animal. “Meu objetivo é trabalhar o cavalo com calma, por pouco tempo, mas sempre” escreve Antoine de Pluvinel e “O cavalo deve ser devolvido à sua baia com o mesmo bom humor com que saiu”, recomenda La Guérinière. E a neurologia moderna confirma estas declarações.
Organizar a equitação em ações automatizadas no cavalo e no cavaleiro, demanda tempo e paciência. Mas, esta informação científica é certamente o maior trunfo da equitação do século 21, que agora promete se tornar mais bonita, mais espetacular e mais satisfatória tanto para o cavalo quanto para o cavaleiro. Mas, tudo isso poderia ter acontecido há mais de 100 anos se dois importantes personagens da história tivessem se encontrado. Com a participação involuntária de Dr. James Rooney. Particularmente eu não chamo de ‘doma’ a iniciação do cavalo para a equitação. Prefiro a expressão ‘adestramento primário’, porque este estágio se refere exatamente à fase primária da educação onde o animal aprende a aprender – sobretudo como lidar com os seres humanos com quem eles, em breve, vão ter que fundir os seus recursos neurofisiológicos durante a equitação. (2) Todas as modalidades eqüestres—o polo, o salto, o dressage—envolvem apenas três ações do cavalo: mudanças de velocidade, mudanças de direção e sustentação dos andamentos. O salto é uma mudança de direção para cima.