16 de novembro de 2009

Fundamentos da Psicologia do Esporte aplicados ao Hipismo

Assim como outros animais, o cavalo teve seu processo evolutivo ligado à necessidade de adaptação para sobrevivência em seu meio. Seus caracteres físicos e padrões comportamentais o definem historicamente como “animal presa”. Seus tradicionais predadores são os carnívoros de grande porte de diferentes espécies. Seus órgãos dos sentidos especializaram-se na detecção de sinais de proximidade do inimigo e seu aparelho locomotor adquiriu excepcional mecânica para desenvolvimento de velocidade, tipificando-o como animal “fugidio”. A compreensão do funcionamento desses sistemas é fundamental para o alcance de bons resultados nas competições de hipismo. Assim, preferindo a fuga ao confronto com o inimigo, os eqüinos têm, na visão, no olfato e na audição, seus principais, rápidos e eficientes meios de percepção do perigo, responsáveis pelo acionamento de seus mecanismos de defesa (morder,manotear ou coicear e/ou fugir). A visão do cavalo é peculiar e seu primário detector de ameaças. O formato dos olhos, a distância entre eles e sua localização, o permitem enxergar de duas formas diferentes, a monocular e a binocular, abrangendo um campo de visão de quase 360 graus na horizontal (com uma área de visão nula atrás e um ponto cego imediatamente à frente dos olhos) e 180 graus na vertical. A despeito dessa amplitude, não conseguem enxergar com nitidez em todas as direções e distâncias, mas são extremamente sensíveis a variações e movimentos muitas vezes não perceptíveis ao homem, assustando-se com facilidade. Na busca de melhor ângulo visual, movimenta a cabeça para ajustar o foco, que é muito prejudicado em distâncias inferiores a 1.20m-1.30m (elevando a cabeça para ver objetos próximos e abaixando para enxergar objetos distantes).Com relação ao olfato dos eqüinos, sabe-se que seu tecido epitelial abrange área superior a 100 vezes a média do mesmo tecido encontrada nos humanos. Sua grande sensibilidade é usada para localizar e selecionar alimentos, para identificarem-se uns aos outros, bem como na percepção da hostilidade ou amigabilidade de outras espécies. Cavalos parecem, em geral, distinguir com facilidade feronômios e odores considerados ameaçadores em geral (como adrenalina, por exemplo), o que normalmente os deixa excitados e difíceis de controlar. O sentido da audição nos cavalos é particularmente bem desenvolvido e os auxilia tanto na detecção de predadores como na comunicação com membros do rebanho. É também uma excelente ferramenta para auxiliar no processo de treinamento do cavalo-atleta. Suas orelhas, localizadas no alto da cabeça,movem-se em quase todas as direções, permitindo-os dirigi-las diretamente à fonte emissora de sons. A detecção de ruídos não familiares, em geral pode amedrontá-los e produzir reações de fuga ou aparente rebeldia.Pesquisas desenvolvidas na Univers. de Nevada (Reno - USA) concluíram que o sistema auditivo nos eqüinos é mais sensível a sons de alta freqüência, enquanto Burton F. (em Ultimate Horse Care, publicado por Ringpress Books, 1999) acrescenta que nas freqüências médias (entre 2KHz e 4KHz) a capacidade de discriminação de variações em tons e alturas é otimizada. É também de capital importância na prática dos esportes hípicos, oconhecimento de alguns aspectos da percepção tátil dos cavalos, uma vez que, nas competições, o principal meio de comunicação usado pelos cavaleiros é a transmissão de sinais através de suas pernas, mãos e assento. Esses sinais são chamados de “ajudas” e, utilizados corretamente, podem fazer o animal mover-se nos três andamentos básicos (passo, trote e galope), parar, mudar de direção, saltar obstáculos e executar exercícios atléticos em geral, da mesma forma que seu uso inadequado possivelmente gera reações negativas, movimentos não desejados, desequilíbrio, perda de sensibilidade e, inevitáveis penalizações nos concursos.Outra relevante característica comportamental dos cavalos é sua alta sociabilidade , visto que, originalmente, viviam em ebanhos com dominação hierárquica claramente estabelecida. Animais submissos em sua maioria,parecem aceitar facilmente o homem como seu líder, desde que este o trate com respeito e lhe transmita confiança.

Interações Psicológicas entre Cavalo e Cavaleiro

Os principais estudos sobre aprendizagem e adestramento de animais da espécie eqüina baseiam-se em teorias de “reforço-estímulo-resposta” (tentativa e erro). Embora a grande maioria dos treinadores e cavaleiros continue aplicando predominanantemente reforços negativos (chicote, esporas, embocaduras) para alcançar seus objetivos atléticos, as pesquisas apontam para a maior eficiência da prática da recompensa (ou reforço positivo) pelas respostas corretas. Ignorar respostas não desejadas também conduz a melhores resultados do que aplicar punições, visto que estas geram desconfiança e medo.Tais procedimentos, normalmente levam à diminuição dos erros e até à sua quase extinção. Dada a dificuldade de utilização dos chamados reforços positivos primários durante o cavalgar, pode-se aplicar técnicas de associaçãodestes com estímulos tácteis ou verbais (por exemplo, repetir determinado som ao alimentar o animal). Os reforços devem ser aplicados durante ou imediatamente após a ocorrência da resposta desejada (um bom salto, por exemplo), caso contrário o estímulo poderá reforçar a atitude seguinte (por exemplo, o descanso após um percurso de saltos bem sucedido). Por essa razão a utilização da “gratificação sonora” é, geralmente, mais viável do que a táctil (o tradicional tapinha no pescoço). Deve-se também observar que a freqüência variável de administração de reforços mostra-se mais eficiente que a sua aplicação continuada. Por outro lado, o grau de dificuldade dos exercícios propostos deve ser progressivo e parcimonioso, a fim de não gerar grande incidência de respostas negativas nem provocar acidentes, o que geralmente induz o animal à perda confiança e o conseqüente descrédito do treinador ou cavaleiro como seu “líder”. Outra prática bastante comum que deve ser evitada é a de realizar sessões únicas diárias de treinamento de longa duração, pois a freqüência de boas respostas diminui proporcionalmente ao aparecimento de sinais de cansaço do animal (e também do cavaleiro), assim como longos períodos de permanência em confinamento (na cocheira, por exemplo) levam ao desenvolvimento de taras e vícios indesejáveis (coicear as paredes, morder e “engolir ar”, manotear o chão, por exemplo).Com relação ao cavaleiro e/ou treinador, há alguns aspectos relevantes a considerar: As chamadas “ajudas”, de mãos, pernas e assento são os principais meios de comunicação com o cavalo e devem ser claras, precisas, consistentes e transmitir propostas de execução viável, para não gerar dúvidas, insegurança ou reações adversas;Ao aplicar tais “ajudas”, o cavaleiro freqüentemente provoca desconfortos (ou até dor e ferimentos) nos sensíveis pontos de contacto com o cavalo, especialmente a boca e os flancos, logo, estas devem ter a intensidade apenas necessária para produzir o efeito desejado e aliviadas imediatamente após, a fim de produzir o efeito de reforço positivo da atitude do animal e levá-lo ao entendimento da tarefa; A ansiedade e as tensões do cavaleiro são imediatamente percebidas pelo cavalo através do olfato (a descarga de adrenalina, por exemplo, o faz sentir-se na iminência de ataque) e do tato (a rigidez da parte superior do tronco passa pelos braços e mãos do cavaleiro e atinge a boca do cavalo, bem como a instabilidade das pernas faz com que as esporas agridam seus flancos), transmitindo-lhe intranqüilidade e medo; Por ocasião de concursos, com o incremento da tensão do cavaleiro (pela situação de competição) e do cavalo (pela presença de elementos estranhos ao seu “rebanho”, ocorrência de ruídos e alterações no campo visual), maximizam-se os efeitos negativos (que interagem entre cavalo e cavaleiro), com conseqüente e significativa queda no desempenho do conjunto. O desempenho dos conjuntos cavaleiro/cavalo nos esportes hípicos depende da compreensão de múltiplos fatores que vão muito além das características biomecânicas específicas de cada modalidade, entre os quais destaca-se a íntima relação psicológica entre dois atletas de diferentes constituições físicas e mentais, empenhados num mesmo objetivo, dirigidos porém, pela vontade de apenas um deles; Ainda pouco utilizada no meio hípico, a Psicologia do Esporte pode ser de grande utilidade no aprimoramento qualitativo do relacionamento cavaleiro/cavalo, seguindo-se o tão desejado aumento do rendimento em competições; As técnicas de treinamento de habilidades psicológicas mais recomendadas para atletas de hipismo são as de controle de respiração e de relaxamento progressivo (para redução de ansiedade) e as de mentalização (para controle de adversidades e melhora de concentração), enquanto para cavalos com distúrbios comportamentais, utiliza-se com sucesso técnicas de dessenssibilização pós-traumática;A abordagem do especialista em Psicologia do Esporte pode ser feita de forma direta ou através do treinador, mas deve sempre considerar o conjunto cavaleiro-cavalo, as peculiaridades de cada um e as relações entre eles. Os instrutores devem considerar, ainda, as técnicas de “feedback” positivo, ao se relacionar com alunos cavaleiros.